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Secretário de Ciência e Tecnologia nos governos de Braga, Omar e Melo, o filólogo Odenildo Sena, militante do PT, afirma que o País vive um momento ‘nada bom para a ciência e a inovação tecnológica’
No
dia 7 de abril, às 15h30, o secretário estadual de Ciência e
Tecnologia, Odenildo Sena (PT), recebeu um telefonema do governador José
Melo (Pros), para dizer que acabava de rasgar a carta escrita pelo
titular da Sect colocando o cargo à disposição do novo governo do
Amazonas. O vice-governador e pré-candidato ao governo havia assumido o
posto na sexta (4) em substituição a Omar Aziz (PSD) que se
desincompatibilizou para disputar a única cadeira vaga no Senado com o
fim do mandato do senador Alfredo Nascimento (PR).
Sena
recebeu de Melo o sinal verde para permanecer secretário e levar
adiante a política de Ciência e Inovação Tecnológica, área na qual esse
professor doutor de 63 anos nascido em Santarém (PA) e criado no bairro
São Raimundo, em Manaus, desde um ano de idade, mergulhou há nove anos.
“Hoje respiro C&T”, afirma o filólogo. E C&T nas mãos de Sena é
exercício político em larga escala.
Ativista
nos impressos e nas redes sociais da candidatura Dilma Rousseff (PT), o
secretário não deixa de criticar condutas da sua candidata, diz não
haver um projeto de Brasil, e que alimenta o desejo de o País superar “o
maniqueísmo PSDB-PT” o que não ocorrerá, garante, para as eleições
deste ano porque as outras candidaturas postas não “representam
mudanças”.
Presidente
do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I
(Consecti), Odenildo Sena está à frente de brigas graúdas: quer saber
dos recursos da área que foram praticamente “engolidos” pelo programa
“Ciência Sem Fronteira” e questiona o silêncio quase geral em torno dos
interesses que até agora mantiveram imobilizado o Centro de
Biotecnologia da Amazônia (CBA). A seguir trechos da entrevista
concedida ao A CRÍTICA:
Como o senhor avalia a atual fase da C&T no Brasil?
No
Brasil, não sei por qual carga d’água, há uma paixão exacerbada pela
burocracia. Vejo a burocracia como necessidade administrativa desde que
dentro do limite. Mas quando ela emperra as iniciativas, é um sintoma
preocupante. No Brasil, nesses anos, os recursos para C&T até que
vieram com razoável abundância, agora nos dois últimos, a área de
Ciência e Tecnologia tem passado por dificuldades. Isso é terrível para o
País porque na produção científica, na geração do conhecimento, se você
interrompe um ciclo aqui acabou. Na ciência não dá para recuperar.
Então, nessas condições, estamos vivendo um momento que não é nada bom
para a ciência e a inovação tecnológica brasileiras.
A que o senhor atribui esse quadro?
Tenho
a impressão de que as coisas não chegam como deveriam chegar aos
ouvidos da presidenta Dilma. Quer um exemplo concreto e também
revoltante? É o caso do nosso Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA).
Um dos nossos maiores desejos é ver o CBA funcionando. Por que não
funciona? É revoltante você saber que isso (o Polo Industrial de Manaus)
está aí há 47 anos e nós não temos uma alternativa que some e que
produza riquezas para o Estado do Amazonas.
Por que o CBA não funciona?
O
CBA é um desses descasos. Há 12 anos aguarda por uma decisão, como é
que pode isso gente? Não é normal! É questão de decisão política de
criar um mecanismo, sei lá o que for, uma Oscip, uma fundação, e, o
Governo Federal por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio (Mdic), onde o CBA está abrigado, faria acontecer. Teve um
momento do CBA, quando eu estava na Fapeam (no período de julho de 2005 a
dezembro de 2010), que tinha mais de cem pesquisadores, vários deles
vieram de fora, dispostos a trabalhar com pesquisadores locais na
efetiva estruturação do centro de biotecnologia.
O que aconteceu com eles? Por que a proposta não andou?
Esses
pesquisadores estavam encantados com a possibilidade de desenvolver
trabalhos na área de biotecnologia. Todos eles vieram pra cá como
bolsistas da Fapeam, mas ficaram pouco tempo, viam que o nó da
burocracia não desatava e iam embora. São recursos humanos de qualidade
que foram embora trabalhar em outras instituições e o CBA está lá
naquele prédio enorme, laboratórios que chegaram sem similar na América
Latina, coisas sofisticadíssimas, mas não podiam funcionar. Como é isso?
Não se podia dar um passo porque não existia pessoa jurídica. Dá prá
acreditar nisso e ainda mais num país que precisa tanto crescer nessa
área?
O que falta para o CBA existir e funcionar de fato?
Aí
entra em cena aquela questão a que me referi no início da nossa
conversa, a da burocracia que mata. Quando eu assumi a secretaria (de
Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas) comecei uma mobilização pelo
CBA. Perturbei tanto o secretário do Mdic, Nelson Nakajima, que
coordenava as reuniões envolvendo C&T e o Fundo da Amazônia, que
quando eu ia às reuniões em Brasília, ele debochava “pô, lá vem tu de
novo me falar desse negócio de CBA. Não aguento mais esse CBA”. Uma das
últimas mobilizações que fiz foi com o Poder Legislativo, mandei convite
para todos os deputados federais, todos os estaduais e para os três
senadores. Eu queria que eles fossem ver o que era o CBA, pra que serve o
CBA. E também convidei o Thomaz Nogueira que acabara de assumir a
Suframa. Marquei a visita para uma segunda-feira que é o dia em que eles
estão por aqui (em Manaus). Sabe quantos compareceram? Os deputados
estaduais Marcelo Ramos (PSB), e José Ricardo (PT), e o deputado federal
Carlos Souza (PSD). Eu imaginava ver toda a bancada lá no CBA e sair de
lá com muita coisa para dizer e para cobrar. Acho que falta vontade
política e até sensibilidade.
Ciência e tecnologia é área secundária para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?
Sinto
falta de uma ação forte, de um envolvimento maior. Tem que envolver
governador, senador... Todo mundo. Dizer: olha gente, isso é tudo para
essa região. Em relação ao CBA, eu desisti porque me senti muito pequeno
e fui constrangido muitas vezes. Não é tarefa de uma pessoa, é do
conjunto de líderes e de representantes do Estado. Quando o senador
Aloizio Mercadante (PT-SP) assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia,
na primeira visita que ele fez a Manaus, eu me lembro que foi lá no
Inpa. No auditório, me deram a palavra, e eu disse ‘ministro, o CBA não
pode continuar do jeito que está’. Ele foi visitar o CBA e saiu de lá
anunciando medidas. Criou uma comissão e deu a coordenação dela ao
Carlos Nobre (é o atual secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e
Desenvolvimento do MCT). Eu aporrinhei tanto o Mercadante quanto o
Nobre. Eles não me aguentavam mais. O prazo de vigência da comissão
venceu e nada mudou. Isso porque originalmente o CBA era vinculado a
três ministérios Mdic, MCT e MA (Meio Ambiente), o MA saiu da jogada e
só o Mdic responde pelo centro. Por duas vezes nesses eventos do qual
participo, fiz um desabafo. Disse que o CBA tem 12 anos sem um status
jurídico. O Mercadante passou um ano no MCT, quando ele saiu deixou duas
empresas para serem criadas e que foram efetivadas no primeiro ano do
Marco Antonio Raupp à frente do MCT. Então, em um ano, o MCT criou duas
empresas que atuam no interior de São Paulo; o CBA espera há 11 anos (à
época) pela criação de uma empresa com toda infraestrutura pronta.
Qual é a relação da política na distribuição das oportunidades em C&T?
Essa
é uma coisa que também aprendi nesses nove anos em que me envolvi nessa
área. A distribuição de recursos, eu diria não só para C&T (falo
mais dela por vivenciá-la), é terrivelmente desigual. O desejo de
concentração acaba sendo uma coisa obsessiva para esse pessoal do Sul e
do Sudeste. Você não imagina a briga que é dizer: “olha o bolo tá aqui,
vamos distribuir o bolo”. São três regiões sofridas e atrasadas nesse
País, o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. Não há espírito de
brasilidade. O Sudeste tem 60% dos doutores do País e não abre mão de
nada, nem das pequenas coisas. Tem um exemplo daqui do Amazonas que
mostra bem essa postura. A Olívia (Maria Olívia Albuquerque,
diretora-presidente da Fapeam) conseguiu articular uma parceria entre a
Fapeam, o Departamento de Energia dos EUA e a Fapesp, para desenvolver
atividades nessa área de energia. Fecharam o acordo e quando foi na hora
de decidir o local para lançar o programa, a Olívia precisou ir quase
até às últimas consequências para trazer o evento para Manaus. A Fapesp
entendia que São Paulo era o melhor lugar. É assim que as coisas
acontecem.
Como enfrentar esse tipo de pensamento e de ação política?
Toda
a questão passa pelo tamanho da vontade política. E dou o exemplo de
São Paulo, você acha que a USP está ali por acaso? Não, não. Eles
disseram vamos fazer uma grande universidade e fizeram. Quem me contou
esse detalhe foi o Ennio Candotti (físico e diretor-geral do Museu da
Amazônia, Musa), foi decisão política. Ah, não temos professores, põe o
dinheiro no bolso, vai para a Europa, para os EUA, e traz PHD de lá. A
USP foi criada assim, a Unicamp a mesma coisa; o Centro de Pesquisa
Aeroespacial, em São José dos Campos foi criado assim. Aqui, quando se
trata da região se fragmenta tudo. É curioso esse comportamento, nós,
todos nós, deveríamos ter paixão pela Amazônia, mas uma paixão que se
traduzisse em ações de fato, não apenas nos discursos.
Qual é a forma de desenvolver a Amazônia?
Essa
é uma pergunta que faço com frequência e só vejo a ciência sendo
exercitada plenamente como melhor resposta. Mas a luta nessa perspectiva
é muito desigual. Volto a falar da Fapeam porque apesar de termos
mostrado que ela é a quarta instituição de fomento à pesquisa do País em
dez anos de existência, de já se falar um pouco mais em ciência no
âmbito federal, no Congresso Nacional, ainda falta compreender que
nenhum país se torna hegemônico pela vontade de assim o ser. Os exemplos
estão aí: os americanos são essa potência toda porque aplicam milhões
de dólares nas ciências e na inovação tecnológica; a Coreia segue esse
ritmo; a China espalha chineses por esse mundo todo para aprenderem,
para fazer pós-graduação, doutorado. As universidades americanas estão
cheias deles, mas eles voltam para ensinar e produzir conhecimentos na
China. Qual país é poderoso sem a ciência? A Rússia é uma potência em
ciência, o Japão idem. Mas parece que a gente não se convence disso.
O senhor passa agora pelo terceiro governador. Como é a convivência nessa esfera de poder?
Acontece
uma coisa aqui outra ali, os acidentes pontuais, mas somos pessoas que
viemos de um outro espaço de vivência, o da sala de aula, da pesquisa.
As pessoas que passaram pela Fapeam e pela Sect até agora têm essa
marca, vir desse outro mundo. Começamos do zero e as duas instituições
estão sendo construídas dentro da respeitabilidade. Não temos tudo que
desejamos ter, mas não ficamos quietos, não nos submetemos e, assim, não
submetemos as instituições. Construímos uma boa base nesse setor. Eu
tenho minha vida e ela não começa aqui, está na Ufam, isso me dá muita
tranquilidade. Aqui (na Sect) é o acidental. Mas afirmo com convicção:
não tive até agora dificuldade em relação à secretaria com o comando do
governo.
Em um ano eleitoral, como combinar a conduta do secretário de Estado com a do ativista político?
(Risos)
Eu não abro mão das minhas convicções políticas e elas estão muito
acima das questões partidárias. As questões sociais são uma referência.
Vou até as últimas consequências defendendo o ‘Bolsa Família’. Eu me
recuso a fazer prognóstico, porque colegas políticos têm uma lógica bem
diferente da nossa, são pragmáticos. Com convicção estarei no palanque
da Dilma, até porque desses candidatos que estão aí não vislumbro
novidade ou alguém que possa fazer frente a todo esse projeto do PT,
cheio de altos e baixos, mas um projeto que aumentou significativamente
as chances de as pessoas, os jovens entrarem numa universidade, o ‘Bolsa
Família’, que tem falhas, mas produz uma importante inserção social, as
cotas raciais.
Perfil
Idade: 63 anos
nome: Odenildo Sena
Estudos: Doutor em Linguística Aplicada
Experiência: Professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam); secretário estadual de Ciência e Tecnologia nos governo de Eduardo Braga, Omar Aziz e José Melo.
nome: Odenildo Sena
Estudos: Doutor em Linguística Aplicada
Experiência: Professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam); secretário estadual de Ciência e Tecnologia nos governo de Eduardo Braga, Omar Aziz e José Melo.
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