Ribeirinhos de
Mamirauá se unem em modelo comunitário de produção e transformam atividades
seculares em fontes de geração de empregos e renda ao povo da floresta, ousando
no mercado sem comprometer a preservação
Edson, ao fundo, de vermelho, com os pescadores, na volta para
casa, após dia de pesca no lago Rumão
Especialistas
na arte de viver da floresta sem destruí-la, os ribeirinhos estão aprendendo a
empreender e se transformando em verdadeiros “empresários da floresta”. Antes
pescadores durante e cheia, e agricultores na seca, quando plantam na várzea,
eles começam a dar uma cara mais industrial para uma atividade historicamente
artesanal: a pesca do pirarucu.
Escalas de
trabalho, relatórios, planilhas, equipamentos e reuniões, agora, dividem espaço
e tempo com a malhadeira, o arpão e a canoa na rotina de homens e mulheres, que
se distribuem em funções numa cadeia produtiva que vai desde as assembléias
comunitárias, decidido onde, quando e como pescar – e para quem vender –, até a
venda do peixe, passando, inclusive, pela vigilância dos lagos, a limpeza e
beneficiamento do pescado e, claro, a divisão de lucros. Eles pescam, elas
tratam os peixes e cuidam da papelada e, juntos, eles vigiam os lagos de
invasores durante o ano todo.
Aos poucos,
eles deixam de ser apenas pescadores ou agricultores para serem donos do próprio
negócio e, o que era feito apenas pela subsistência, agora gera lucro e
empregos. Tudo sem perder a maior herança de uma população que margeia os rios
amazônicos há gerações: a sustentabilidade.
Transformações
que inspiram a estimativa de ribeirinhos e órgãos ambientais de dobrar a
quantidade de pirarucus manejados nos próximos oito anos. E que ajudaram
comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, a mais
antiga e terceira maior das 41 Unidades de Conservação estaduais do Amazonas, a
quadriplicar a renda média familiar dos comunitários com o manejo do pirarucu,
nos últimos dez anos.
Olho na
Copa
O
empreendedorismo não está apenas na filosofia sustentável e comunitária que eles
implantaram no processo de manejo do pirarucu. Ele está presente nas decisões
tomadas pelos ribeirinhos, que a cada dia se arriscam mais no mercado, de olho
em consumidores de outras cidades, estados e até países.
Levar o
pirarucu manejado dentro da RDS Mamirauá ao Brasil e ao exterior não é a única
meta dessas comunidades. Parte delas já está se preparando para atender os
turistas que devem vir para o Amazonas durante a Copa do Mundo de 2014, uma vez
que Manaus é uma das 12 cidades-sede do evento.
A aposta feita
pelos ribeirinhos foi estocar parte da produção do último manejo para ser
vendida apenas durante o mundial, quando a pesca do pirarucu é proibida, a
oferta no mercado cai e os preços chegam a ser três vezes maiores. São 4,5
toneladas que devem ficar congeladas em frigoríficos por mais de seis meses,
conta o secretário-executivo da Associação dos Moradores e Usuário da RDS
Mamirauá Antônio Mendes (Amurmam), Edson Carlos Gonçalves de Souza, 32.
“A ideia saiu
dos próprios pescadores. Aumentamos a produção e vimos uma necessidade de
divulgar nosso produto e, como a Copa vai atrair gente do exterior, é a janela
perfeita para colocar o pirarucu na mesa de outros países. Além disso, a Copa é
uma época que não tem pirarucu como agora, e vendo essa demanda do mercado,
percebemos que armazenar poderia ser lucrativo”, justificou Edson.
Com o lucro,
eles já sabem o que fazer. “Investir na própria cadeia do pescado. Comprar
barcos, malhadeiras, equipamentos para pesca e flutuantes para tratar e
beneficiar o peixe, triciclos para transportar pelo varadouro, cursos para os
comunitários se capacitarem”, afirmou.
Além do
comércio de pirarucus, algumas comunidades da reserva já se preparam para
receber parte das 70 a 100 mil pessoas que são esperadas no Amazonas durante a
Copa do Mundo, construindo flutuantes e elaborando projetos para investir no
turismo ecológico, com restaurantes regionais, observação de pássaros, passeios
de canoa e, até mesmo, a pesca esportiva de pirarucu, novidade na região, revela
Edson.
“Estamos
investindo em outras frentes para aproveitar esse bom momento. Algumas
comunidades já têm estrutura, mas ainda falta muita coisa, inclusive a
capacitação dos comunitários. Certo é que a floresta tem um grande potencial e
todos nós já percebemos isso”.
Parceria
Quem também já
se deu conta de que a Copa do Mundo é uma oportunidade de fazer bons negócios
foram os moradores da comunidade Terra Nova.
Eles pretendem
investir em um flutuante voltado ao turismo ecológico e na capacitação dos
moradores para receber os turistas, contou Belém Maciel, 45, um dos moradores
nascidos e criados naquele pedaço de terra às margens do barrento rio
Solimões.
“Queremos
preparar os comunitários para receber os turistas durante a Copa, mas antes
precisamos buscar parceiros para os investimentos e a divulgação da nossa
comunidade como um destino turístico. Agora em 2014 nós vamos apresentar esse
projeto para buscar apoio”, contou.
Duas
instituições já “despertaram” para o potencial empreendedor dos ribeirinhos: a
Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que atua na RDS, e o Serviço Brasileiro de
Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) que, por meio do “Programa de
Empreendedorismo para Uso Sustentável da Biodiversidade em UC’s do Amazonas”,
planejam promover ações e capacitações voltadas ao empreendedorismo, em uma
linguagem mais próxima da realidade dos ribeirinhos, como revela o presidente da
FAS, Virgílio Viana. “Nosso objetivo estratégico é manter os ribeirinhos dentro
da reserva, vivendo de forma digna e sustentável. Eles são o povo da floresta,
já dominam a sustentabilidade, agora estão aprendendo a empreender”.
Aposta
em novos mercados para gerar emprego e renda
Por viverem no
meio de uma floresta que ainda preserva a biodiversidade, com flora e,
principalmente, uma fauna riquíssimas, que se impõem aos olhos de quem navega
pelos rios, furos, paranás e lagos da RDS Mamirauá, os ribeirinhos buscam, na
própria natureza, outros mercados potenciais.
Um dos
encontrados por eles é o manejo do jacaré, atividade cujo potencial vem sendo
pesquisado desde 2002 dentro da RDS Mamirauá. A ideia surgiu baseada em
pesquisas desenvolvidas no final da década de 90, que apontaram um aumento
significativo das populações de jacarés após a criação da reserva. Mesmo
proibido pelo governo federal em 1967, o abate de jacarés sempre aconteceu na
área de Mamirauá, fomentado por um mercado negro.
O objetivo,
agora, é conquistar os admiradores dessa iguaria, oferecendo um produto
sustentável, de qualidade e por um bom preço, como conta a presidente do Setor
Solimões do Meio da RDS Mamirauá, Cleudimar da Silva Oliveira, 33.
Segundo ela, a
comunidade Terra Nova é uma das que já iniciou estudos sobre a população de
jacarés nos dois lagos em que eles pescam – Genipapo Grande e Genipapo Fundo –
para avaliar a possibilidade de se implantar o manejo já no próximo ano. “Mas
nosso potencial para manejar jacarés ainda é pouco para os investimentos que
precisarão ser feitos, como a aquisição da salgadeira, para o beneficiamento.
Vamos tentar unir outras comunidades”, disse.
De acordo com a
gerente do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do
Estado do Amazonas (Idam) de Fonte Boa, órgão ligado à Secretaria Estadual de
Produção Rural (Sepror), Maria José Mendonça de Oliveira, o potencial dos quatro
setores da reserva onde o órgão atua - Panauã, Maiana, Solimões de Baixo e
Solimões do Meio - é de 800 jacarés. Mas o investimento inicial da estrutura de
beneficiamento demanda uma cota de pelo menos 4 mil animais. “O manejo é
importante para evitar que, a longo prazo, o jacaré não fique escasso nos lagos,
como aconteceu com o pirarucu no passado, uma vez que a caça desse animal já
acontece, só que de forma irregular”, analisou.
Gargalo
Em outro setor
da reserva Mamirauá, os moradores da comunidade São Raimundo do Jarauá também
apostam no manejo do jacaré para aumentar ainda mais a renda dos trabalhadores,
que este ano pescaram 1.247 pirarucus – aproximadamente 58 toneladas – em 22 dos
55 lagos da região, todos habitados, também, por jacarés.
O maior
“gargalo” lá, segundo Maria Luziliane Lima de Castro, 43, vice-presidente do
Acordo de Pesca, que envolve também famílias das comunidades Manacabi, Liberdade
e da Colônia de Pescadores do Município de Alvarães, é a falta de estrutura para
o beneficiamento do jacaré. “Estamos buscando parceiros para conseguir a
salgadeira e as licenças. Isso vai reforçar nossa renda nos meses em que não há
manejo do pirarucu, além de atender uma demanda que existe de forma legal e
sustentável”.
Beneficiamento agrega
valor
Este ano, a
fábrica de beneficiamento do pescado de Fonte Boa deve, finalmente, começar a
operar. A previsão é do diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável
(IDS) de Fonte Boa, Arley Afonso. “Vamos inaugurar nos primeiros meses de 2014,
mas só deve ser usada no manejo, no segundo semestre”, disse.
Segundo ele, a
intenção é que a fábrica seja administrada pelos ribeirinhos, por meio de uma
cooperativa, a exemplo do que acontece em Maraã, onde, em 2013, foram
beneficiadas mais de 140 toneladas de pirarucu, que viraram o ‘bacalhau da
amazônia’.
Segundo o
titular da Secretaria de Estado de Produção Rural, Eron Bezerra , outra novidade
é o beneficiamento do jacaré, que deve ser feito na fábrica de Fonte Boa, que já
está com a estrutura pronta, mas ainda sem equipamentos.
Análise
“ Estima-se que
na RDS Mamirauá existam 1.040 potenciais empreendedores. Eles já conhecem bem o
que fazem, agora precisam aprender a forma empresarial de fazer. A parceria
entre Sebrae e FAS visa apoiar os 15 Núcleos de Apoio ao Empreendedorismo
Sustentável, que atuam como centros de suporte logístico no meio da floresta,
diretamente conectados à realidade ribeirinha. A partir desses núcleos são
desenvolvidos projetos de ensino, pesquisa, extensão e apoio à saúde. O programa
prevê ações de consultoria, capacitação empreendedora, seminários, palestras,
oficinas e formalização, numa linguagem adequada à realidades dos povos
ribeirinhos. Vamos atender, inicialmente, seis núcleos, abrangendo 572
comunidades e um público estimado em 9.007 famílias beneficiárias do Programa
Bolsa Floresta”, diz Nelson Luiz Vieirada Rocha, Diretor superintendente do
Sebrae – AM.
“A Fundação
Amazonas Sustentável atende a todas as comunidades da RDS Mamirauá, por meio do
Programa Bolsa Floresta, que investe em educação, geração de renda, organização
social e assistencial. O Bolsa Floresta não se trata apenas de assistencialismo,
é um programa de fortalecimento comunitário, que vem fortalecendo esse lado
empreendedor dos ribeirinhos. Essa, talvez, seja uma das maiores conquistas do
programa, que em 2014 vai dar ênfase ao empreendedorismo. Esse é o perfil do
Bolsa Floresta Renda, que incentiva a tomada de decisões sobre pelas próprias
comunidades, com uma leitura que vem de baixo para cima. Investimos onde eles
acreditam que deve ser investido, mesmo que as decisões, mais tarde, mostrem-se
equivocadas. Isso faz parte do surgimento de um empreendedor”, comentou Virgílio
Viana Superintendente -geral da Fundação Amazonas Sustentável.
Pontos
Peixes ornamentais são novo potencial
Algumas
comunidades da RDS Mamirauá, como a Terra Nova, no Médio Solimões, também
pretendem investir no manejo de peixes ornamentais, iniciativa que já é
realidade em parte da reserva, especialmente no setor Panauã. Segundo os
moradores da RDS, existe uma demanda crescente pelos peixes ornamentais da
região, o que levou ao aumento do preço e da procura. Atualmente, 9.519 pessoas
vivem em 170 comunidades dentro da RDS Mamirauá, que abrigam 2.075 famílias.
O Sebrae estima
que, entre essas quase 10 mil pessoas que vivem na RDS, mais de mil são
empreendedores potenciais, ou seja, pessoas que podem ser capacitadas para
iniciar um micro ou pequeno negócio, sempre com a “marca” da
sustentabilidade.
MATÉRIA ACRITICA.COM.BR
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