Heberson Oliveira ficou durante três anos preso injustamente acusado de estuprar menina em Manaus. Mesmo após sete anos de a
O caso de Heberson foi divulgado pela primeira vez em 2011 pelo
Jornal A CRÍTICA, durante série de reportagens "Vidas Roubadas"
Nenhum
valor será suficiente para reverter a falha cometida pelo Estado do
Amazonas contra o amazonense Heberson Lima de Oliveira, 32.
Ex-presidiário e soro-positivo, Heberson adquiriu o vírus HIV
após ser violentado e estuprado por detentos de um presídio de Manaus,
onde ficou preso injustamente por quase três anos por um crime que nunca
cometeu: estuprar uma menina de 9 anos.
De
2003 a 2006, Heberson viveu um inferno dentro da Unidade Prisional do
Puraquequara, na Zona Leste da capital, onde sofreu a “tradicional”
punição aplicada à maioria dos acusados de estupro dentro sistema
penitenciário amazonense: a violência sexual brutal. Secretaria de
Justiça, Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça erraram
e deram as costas para Heberson, vítima da letargia do poder público.
O
amazonense nunca recebeu ajuda e só a partir de setembro de 2013, sete
anos após a liberdade, que passou a pedir na Justiça uma indenização de
R$ 170.856 aos filhos, por danos materiais e morais. O valor, calculado
com base em salários mínimos pelo tempo que Heberson ficou preso, sem
possibilidade de trabalhar e afastado dos filhos, foi contestado pela
Procuradoria Geral do Estado do Amazonas, na 3ª Vara da Fazenda Pública
Estadual. A PGE considera a quantia alta demais.
Atualmente,
Heberson vive com a mãe no bairro Compensa, na Zona Oeste da cidade, em
uma casa de condições precárias. Ele pretende voltar aos estudos e
arranjar um emprego nesse semestre. Mensalmente, Heberson comparece à
Fundação de Medicina Tropical (FMT), em Manaus, para consulta médica no
tratamento contra a Aids, e também passou a tomar remédios em casa – a
FMT é um dos únicos hospitais no Amazonas responsável pelo tratamento da
Aids.
No
Tropical, Heberson recebe apoio psicológico. Além disso, ele também é
atendido por psicóloga voluntária duas vezes por semana em um
consultório odontológico próximo à sua casa na Compensa. Ex-usuário de
drogas, vício que o acometeu durante a prisão e também fora da cadeia,
Heberson está firme sem consumir entorpecentes com o apoio e pressão da
mãe, amigos, voluntários e do pastor de uma igreja evangélica que
frequenta.
Heberson ao lado da mãe antes da doença
Comovido com a injustiça do Estado,
o professor universitário da área de Direitos Humanos João Batista do
Nascimento movimenta pessoas nas mídias sociais para garantir benefícios
e assistência a Heberson, bem como encontrar propostas de emprego para
ele. Com a ajuda de colaboradores, Nascimento pretende escrever o livro
“Justiça que mata: caso Heberson Oliveira”. Segundo ele, toda renda
arrecadada com a publicação será transferida para Heberson.
“O
Heberson foi vítima de um erro praticado em cadeia. O sistema como um
todo errou. Temos informações de que houve erros na parte de
investigação policial. Isso vai ser esmiuçado no livro. Vou contar os
erros na esfera policial e na esfera judicial. Não sei se poderemos
responsabilizar alguém, porque para isso teria que comprovar que essas
autoridades agiram de má-fé. Isso não tem como comprovar. Mas posso
afirmar que o Estado errou. E se errou, ele tem que pagar”, diz.
Professor João do Nascimento (Foto: Luiz Vasconcelos)
Com
apenas uma aposentadoria, a mãe de Heberson é quem sustenta a casa onde
vivem, com ajuda de doações. Advogados voluntários estão preparando uma
petição para buscar na Justiça uma pensão vitalícia a Heberson, ainda
sem valor, ou mesmo uma casa em programas habitacionais. “O Estado
acabou com a vida desse homem. E se negar a pagar chega a ser desumano.
Quero rogar ao governador que pague essa indenização, mas que faça mais
que isso”, declarou o professor.
Sem assistência
Logo
após a liberdade, Heberson chegou a trabalhar em uma loja de material
de construção, mas não aguentou o preconceito. Ele tentou se suicidar
algumas vezes. “Ele quer trabalhar, mas as pessoas não dão emprego para
quem é aidético. Por isso que o Estado tem que pagar uma pensão e dar
uma casa para ele”, ressaltou o professor.
Fora
da prisão, Heberson não recebeu assistência do poder público. “O Estado
não presta assistência ao preso lá dentro, sob a custódia dele. Imagine
depois. Existem milhares de Hebersons espalhados pelo País inteiro. A
quantidade de presos inocentes ou pelo menos presos após trabalhos mal
feitos por parte do Estado faz com que tenhamos um sistema prisional
extremamente cruel”, alertou Nascimento. O registro fotográfico mais recente de Heberson é durante a ceia de Natal com a família.
O crime
O
suposto estupro da menina de 9 anos ocorreu em 2003 no bairro Nova
Floresta, Zona Leste. Segundo a defensora pública que comprovou a
inocência de Heberson, Ilmair Siqueira, as características físicas do
estuprador e as de Heberson divergiam muito. “Esse é um dos elementos
que me faz acreditar que houve um grave erro da Polícia Civil. Heberson
alega que havia uma rixa entre ele e o pai da menina e que ele teria
sido acusado por conta dessa desavença”, afirma o professor Nascimento.
Um
relatório contando o que aconteceu com Heberson foi enviado à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e à Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, ainda sem resposta. O caso de
Heberson foi divulgado pela primeira vez em 2011,
durante a série de reportagens "Vidas Roubadas" do Jornal A CRÍTICA.
Blogs e sites até hoje repercutem essa história de injustiça.
Defensora pública Ilmair Siqueira (Foto: Márcio Silva)
Após passar um tempo no tratamento psicológico e a conclusão dos ensinos Fundamental e Médio em
um Centro Educacional de Jovens e Adultos (CEJA), Heberson poderá
receber uma bolsa de estudos para cursar Direito em uma universidade.
“Queremos que seja feita justiça social a Heberson e que um pouco de
dignidade seja dada a ele”, finaliza o professor.
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